Após um longo silêncio, a Rússia e a China assinaram um memorando juridicamente vinculativo sobre a construção do gasoduto "Força da Sibéria - 2" para a China e do gasoduto de trânsito "União-Este" através da Mongólia. A informação foi divulgada pelo presidente do Conselho da Gazprom, Alexey Miller.
O projeto prevê o fornecimento anual de 50 bilhões de metros cúbicos de gás da Rússia para a China através da Mongólia. A vigência do acordo é de 30 anos.
A discussão sobre essa rota de fornecimento teve início ainda antes do gasoduto "Força da Sibéria - 1", cujo contrato comercial foi assinado em 2014. Este foi um evento histórico, uma vez que a Rússia havia fornecido gás apenas para a Europa por mais de cinquenta anos e, pela primeira vez, estabeleceu um acordo para a entrega de gás no sentido oriental – para a China.
Desde então, a situação mudou drasticamente. As entregas de gás russo para a Europa diminuíram consideravelmente, com três rotas – através da Ucrânia, da Polônia e os "Fluxos do Norte" – paralisadas. O gás chega a uma série de países europeus apenas pelo "Fluxo Turco". Enquanto isso, a China se tornou o maior comprador de gás russo.
No entanto, a discussão sobre o projeto "Força da Sibéria - 2" se prolongou significativamente. Finalmente, as partes deram um passo à frente em direção ao objetivo após um longo silêncio.
"O memorando vinculativo não garante a implementação deste projeto, mas é um grande passo adiante. Acredito que não faria sentido assinar um acordo e anunciá-lo publicamente se não houvesse confiança em que também assinaremos um contrato comercial para o fornecimento de gás por este gasoduto. Portanto, eu aguardaria o Fórum Econômico Oriental. Há uma chance de que o contrato seja assinado lá. Porque a OCX já é famosa, e se o contrato for assinado no VEF, nosso fórum entrará para a história junto com o evento", acredita Igor Yushkov, especialista da Universidade Financeira do Governo da Rússia e do Fundo Nacional de Segurança Energética (FNES).
A principal questão que tem atrasado este evento histórico há vários anos é o preço das entregas.
"Objetivamente, assim como no primeiro contrato da Gazprom com a China em 2014, o preço do gás será mais baixo em comparação com aquele pelo qual o gás foi e continua sendo fornecido para a Europa.
O preço final das entregas será em grande parte determinado pelo consumidor, ou seja, a China, cujo balanço de gás atualmente é bastante diversificado", afirma Stanislav Roginsky, professor convidado da Universidade Nacional de Pesquisa - Escola de Economia Superior (NIU-VSHE).
Miller declarou que o preço das entregas de gás para a China é objetivamente mais baixo do que para a Europa, devido à menor distância de transporte. As entregas de gás para a China são feitas a partir de campos na Sibéria Oriental, enquanto para a Europa, são da Sibéria Ocidental. Por conta disso, os custos de transporte para entregar gás à China são significativamente mais baixos.
No entanto, especialistas acreditam que a distância não é o principal fator na estrutura de preços do gás; um papel importante é desempenhado pela formação de preços nos contratos. A fórmula do preço do gás na Europa é formada com base nos preços do gás nos mercados à vista, ou seja, nas bolsas, e este ano, os preços no mercado à vista estão altos, e o mercado europeu é considerado marginal, diz Yushkov. Enquanto isso, o custo das entregas de gás para a China é determinado por uma fórmula vinculada ao preço da cesta do petróleo com um atraso de nove meses. Isso significa que o preço agora é calculado com base nas cotações do petróleo de janeiro.
"Não é possível firmar um contrato com a China onde os preços sejam substancialmente mais altos do que nos mercados globais à vista. Porque a China possui um portfólio de fornecedores de gás bastante diversificado", diz Yushkov. Isso significa que Pequim pode negociar com os fornecedores e comprar combustível de quem estiver oferecendo um preço mais barato. O especialista cita o ano de 2020, quando o "Força da Sibéria - 1" foi iniciado. No primeiro semestre, a China teve um baixo consumo de gás por esse duto, já que o preço do gás, devido à vinculação ao petróleo com um atraso de nove meses, estava mais alto do que nos mercados à vista. Naquela época, surgiram as primeiras notícias sobre a COVID-19, e os preços nas bolsas começaram a cair. Pequim aproveitou essa oportunidade e comprou gás no mercado à vista. No segundo semestre, a situação mudou: a China começou a aumentar rapidamente as compras de gás da Gazprom, pois os preços do gás à vista se recuperaram, enquanto os da empresa, ao contrário, diminuíram.
De acordo com cálculos de Roginsky, a diferença no preço das entregas entre a China e a Europa pode chegar a 30%. Por exemplo, no primeiro trimestre de 2021, o preço médio das entregas de gás para a China foi de 121 dólares por mil metros cúbicos, enquanto o custo médio total do portfólio da Gazprom no mesmo trimestre foi de 171 dólares por mil metros cúbicos, diz o especialista.
"Na realidade atual, acredito que o gás deve custar mais de 300 dólares por mil metros cúbicos para ser economicamente viável no fornecimento através do 'Força da Sibéria - 2'. No entanto, creio que mesmo com 200 dólares a Gazprom ainda estará lucrando", afirma Yushkov. De qualquer forma, agora é o melhor momento para assinar um contrato para ambas as partes.
"As posições de negociação da China estão agora em seu ponto máximo, enquanto as sanções contra a Rússia ainda estão em vigor, e a Gazprom fornece gás à Europa em volumes mínimos. Mas assim que as relações entre a Rússia e o Ocidente melhorarem e as hostilidades cessarem, as posições de negociação da Rússia se fortalecerão. Portanto, faz sentido para a China firmar um acordo com a Rússia agora e obter condições mais favoráveis", acredita Yushkov.
Além disso, a China é o consumidor monopolista do gás russo por gasoduto, o que também fortalece suas posições nas negociações, diz Roginsky.
Para a Rússia, o contrato é importante tanto do ponto de vista geopolítico quanto econômico. Para a Gazprom, é crucial encontrar uma substituição para os volumes perdidos que anteriormente eram vendidos na Europa. Na prática, trata-se de um aumento das entregas para a China em 2,5 vezes apenas devido à construção do novo gasoduto. Isso ocorre porque a capacidade da "Força da Sibéria - 2" é inicialmente maior que a do primeiro duto e é de 50 bilhões de metros cúbicos por ano (em comparação a 38 bilhões). Para o primeiro duto, aliás, também foi acordado aumentar as entregas de 38 para 44 bilhões de metros cúbicos por ano, além do projeto "Rota do Extremo Oriente" – de 10 para 12 bilhões de metros cúbicos por ano.
O principal argumento da Rússia para assinar o contrato é que quanto mais intensa for a confrontação entre os EUA e a China, mais necessário será um fornecedor seguro da Rússia, já que, no final das contas, os EUA tentarão interromper os fornecimentos de energia para a China via marítima,
diz Yushkov.
"Em condições de um possível bloqueio das rotas marítimas, a economia da China pode enfrentar dificuldades no futuro para obter GNL. Enquanto isso, a Rússia assegura a estabilidade das entregas por meio do trajeto continental do gasoduto", concorda Roginsky.
"A longo prazo, o projeto é vantajoso para ambos os países: a China poderá mitigar os riscos de escassez, que aumentaram após as guerras comerciais, enquanto a Rússia poderá aumentar a receita de exportação, o que é importante para a estabilidade macroeconômica", diz Sergey Tereshkin, diretor geral da Open Oil Market.
A construção da "Força da Sibéria - 2" pode levar tanto tempo quanto a construção do primeiro gasoduto. "A construção da 'Força da Sibéria - 2' pode levar cerca de cinco anos e custar pelo menos 1,5 trilhões de rublos, se basearmos na experiência do projeto 'Força da Sibéria - 1': o acordo foi assinado em 2014, e o primeiro gás começou a ser fornecido em dezembro de 2019. Além disso, a construção da 'Força da Sibéria - 1' custou pelo menos 1,1 trilhões de rublos", acredita Sergey Tereshkin.
No entanto, Roginsky acredita que isso pode ser feito mais rápido - em três a três anos e meio, uma vez que a documentação do projeto já está preparada e concordada por todas as partes. Além disso, parte da infraestrutura de gasoduto e os campos desenvolvidos já estão disponíveis na Rússia, ao contrário da "Força da Sibéria - 1", onde foi preciso desenvolver os campos do zero, o que levou mais tempo e dinheiro.
Contudo, será necessário construir um gasoduto no território da Mongólia, e ainda não está claro quem assumirá essa responsabilidade. "A nova construção pode custar entre 200 a 280 milhões de rublos por quilômetro da parte linear e cerca de 1,4 a 1,6 bilhões de rublos para a estação de compressão de potência necessária", conclui Roginsky.
Fonte: VZGLYAD