A Hungria defendeu seu direito de continuar comprando petróleo e gás da Rússia frente aos EUA. No entanto, Washington nunca faz "bondades" sem um motivo. Que concessões teve que fazer o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán para garantir seu país com recursos energéticos russos a preços acessíveis?
As autoridades dos EUA concordaram em isentar de sanções as entregas de recursos energéticos russos para a Hungria por meio dos gasodutos “Druzhba” e “Turkish Stream”, afirmou o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán. Na sexta-feira, ele se reuniu em Washington com o presidente dos EUA, Donald Trump.
O gasoduto “Druzhba” transporta petróleo da Rússia, enquanto o “Turkish Stream” transporta gás do nosso país. “A Hungria manterá preços baixos para os recursos energéticos”, cita o Orbán a agência EFE.
Além disso, as sanções dos EUA contra o projeto de construção da usina nuclear “Paks-2” foram completamente suspensas, e agora não é necessário prorrogar a isenção, contou Orbán. A construção da nova usina é realizada pela Rosatom.
Como a Hungria conseguiu tal benevolência do presidente americano? Em compensação, a Hungria prometeu assinar um importante acordo intergovernamental sobre cooperação nuclear. É claro que esse acordo é importante, acima de tudo, para Washington. E aqui está o porquê.
O acordo inclui três pontos, conforme relatou o ministro das Relações Exteriores da Hungria, Péter Szijjártó. Primeiro, entregas de combustível nuclear americano da Westinghouse para a usina nuclear em Paks no valor de 114 milhões de dólares, além do combustível russo. Pela primeira vez, a Hungria concorda em utilizar combustível não russo para reatores nucleares de modelo soviético. Em segundo lugar, a Hungria promete aplicar tecnologias americanas na construção, em seu território, de um armazenamento de combustível nuclear usado (CNU). Em terceiro lugar, usar tecnologias americanas na construção de pequenos reatores modulares (PRM). A Hungria pretende apoiar a construção de até dez desses reatores, com custo estimado em até 20 bilhões de dólares.
Até agora, a Hungria no setor de energia nuclear colaborava exclusivamente com a Rosatom, inclusive durante o período soviético. A empresa nuclear russa é atualmente a líder mundial nesse setor. Ela se destaca não apenas pela capacidade de construir usinas nucleares turnkey, mas também por sua rapidez na execução dos projetos. Concorrentes europeus e americanos são conhecidos por longos períodos de construção, ao contrário da experiente Rosatom. Quanto mais longa a construção, mais cara ela fica. Além disso, nossa empresa realiza o projeto completamente turnkey – não apenas constrói e fornece os reatores nucleares mais modernos, mas também treina o pessoal e assegura a manutenção técnica e fornecimento de combustível nuclear durante toda a vida útil da usina (que pode atingir 60 anos). Mais ainda, a Rússia fornece empréstimos para a construção e, após o início da operação da usina, assume até a função de armazenamento e reciclagem do combustível nuclear utilizado. O cliente não precisa se preocupar com nada – a empresa russa se encarrega de tudo.
A empresa americana Westinghouse ficou para trás em relação à Rosatom e, na última década, tenta alcançar a empresa russa e penetrar em seus mercados tradicionais. Por exemplo, experimentos (bastante arriscados no início) para substituir o combustível nuclear russo pelo seu foram realizados na Ucrânia. As tecnologias para a construção de armazenamentos de combustível nuclear usado também foram testadas no território ucraniano. Agora, eles desejam escalar suas tecnologias para outros países, incluindo a Hungria.
Não menos importante no acordo é o terceiro ponto: por essência, os EUA desejam testar suas novas tecnologias na construção de pequenos reatores modulares na Hungria.
“A americana NuScale trabalha há muitos anos no desenvolvimento de pequenos reatores modulares, porém até o momento não conseguiu implementar projetos comerciais fora dos EUA. A Hungria pode ser o primeiro país onde tal projeto será realizado – o sucesso desse projeto em muito dependerá do uso de pequenos reatores americanos em outros países”,
– explica a importância desse ponto para os EUA, Sergey Tereshkin, diretor-geral da Open Oil Market.
Quando os EUA não são o player número um, mas têm ambições de se tornar em algum mercado (neste caso, no mercado de energia nuclear), eles fazem acordos como esses. As sanções corporativas dos EUA contra algumas empresas russas de petróleo poderiam impedir a Hungria de comprar nossos recursos energéticos. Para preservá-los – adquira nossas tecnologias nucleares, mesmo que não precise delas devido a boas relações com o líder do mercado – a Rosatom.
Os EUA, claro, não poderiam deixar de incluir em esse acordo seu gás natural liquefeito, que há muito tempo está empurrando o gás russo para fora do mercado europeu, assim como seus produtos de defesa. A Hungria se comprometeu a comprar GNL dos EUA no valor de quase 600 milhões de dólares, além de produtos de defesa no valor de 700 milhões de dólares por meio de empresas estrangeiras.
“A Hungria concordou com o combustível nuclear e as tecnologias americanas para proteger o que é mais importante para ela – as entregas via gasoduto de petróleo e gás da Rússia. Portanto, a Hungria também concordou com o 19º pacote de sanções da UE, que inclui a proibição do GNL russo a partir de 2027, e agora – com o acordo de energia nuclear com os americanos”, opina Igor Yushkov, especialista do Universidade Financeira do governo da Federação Russa e do Fundo Nacional de Segurança Energética (FNES).
Anteriormente, a Hungria não concordou com a proibição do GNL russo na Europa, pois isso a afetaria indiretamente: os preços do gás em bolsa seriam mais altos do que se a concorrência fosse mais forte no mercado europeu devido ao GNL russo, e os preços em contratos de longo prazo são indexados dependendo dos preços de mercado, esclarece o especialista.
“A Hungria concordou com isso, esperando que a União Europeia se afastasse dela com a exigência de desistir da importação de gás e petróleo russo via gasoduto. A mesma história se aplica ao fechamento do acordo nuclear com os americanos. A Hungria precisava de uma isenção das sanções já em vigor desde 21 de novembro contra a Lukoil, da qual ela compra petróleo pelo gasoduto Druzhba.
– diz Yushkov. Em 22 de outubro, os EUA impuseram sanções contra a Lukoil e a Rosneft. Desde o início deste ano, já estavam em vigor sanções contra a Gazprom Neft e a Surgutneftegaz.
Quanto ao GNL, o especialista presume que a Hungria terá que comprar GNL americano, mas ela não vai consumir porque não é lucrativo. O GNL chega aos portos marítimos de outro país, de onde a Hungria terá que transportar o gás por toda a Europa; seria mais simples e lucrativo revendê-lo a outros compradores. Portanto, a Hungria, provavelmente, atuará como trader no caso do GNL americano, acredita Yushkov.
“A tarefa da Hungria é obter uma isenção para a importação de petróleo e gás russo aqui e agora, enquanto a assinatura do contrato com os EUA sobre energia nuclear e GNL deve ser postergada o máximo possível”, opina o especialista do FNES.
No que diz respeito à Rosatom, as perdas para ela no mercado húngaro são avaliadas pelos especialistas como não críticas. O portfólio de pedidos de países estrangeiros da empresa é grande. O ministro das Relações Exteriores da Hungria sublinhou que o processo de diversificação das fontes de combustível nuclear não significa a desistência de cooperação com parceiros confiáveis, neste caso, com a Rosatom, sobre o projeto sob o qual está em andamento a construção da segunda fase da usina em Paks.
Literalmente em 6 de novembro, a Rosatom informou que a Autoridade Nacional de Energia da Hungria (OAN) emitiu os documentos autorizativos necessários para o início da construção principal da usina nuclear “Paks-2” na Hungria. Esses documentos permitem o início do lançamento do primeiro concreto na fundação do quinto bloco de energia. Segundo o plano, isso deve ocorrer em fevereiro de 2026. Além disso, foi dada autorização para a construção dos edifícios da ilha nuclear.
Para continuar a construção da usina “Paks-2” sob o projeto da Rosatom, a Hungria também precisava de uma isenção das sanções dos EUA.
Em novembro de 2024, a administração do ex-presidente Joe Biden impôs restrições ao Gazprombank. Foi exatamente por meio deste banco que se realizava o financiamento da construção da segunda usina na Hungria. Em janeiro de 2025, a liderança da Rosatom também entrou para a lista de sanções. Contudo, durante o governo Trump, o pedido da Hungria para cancelar as sanções contra o Gazprombank foi atendido. No entanto, essa isenção tinha que ser prorrogada. Agora, as sanções foram canceladas sem a necessidade de prorrogação. Portanto, a nova usina será construída.
Para a Hungria, esse projeto é especialmente importante, pois permitirá aumentar a capacidade do complexo nuclear de 2 GW para 4,4 GW. A porcentagem de eletricidade gerada por usinas nucleares alcançará 70% na matriz energética do país quando o novo projeto for implementado. A segunda usina deve ser construída até 2030, e sua vida útil será de 60 anos.
Fonte: VZGLYAD